Anatomia De Uma Queda – Crítica

Anatomia De Uma Queda – Crítica

Em “Anatomia De Uma Queda”, a cineasta Justine Triet aproveita a estrutura de thriller jurídico para desenvolver a tensão constante de um relacionamento conturbado.

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O exercício disso é bem claro já na primeira sequência do filme, onde a entrevista é interrompida por meio da música alta e o desconforto começa a tomar conta de uma cena que foi iniciada numa dinâmica aproximação entre a protagonista Sandra Voyter (Sandra Huller) e a jornalista. Os close-ups e todos os over-the-shoulders saem da proximidade e vão se transformando num sufocamento crescente que domina a narrativa por duas vias: a investigação do caso e o aprofundamento no relacionamento.

Tensão é a palavra-chave do longa, já que ela não só articula a principal sensação, mas por como ela dita o tom de diversas interações. A dubiedade de todos os elementos apresentados viram maiores tensores tanto para o caso quanto para a intimidade do casal. Seria qualquer uma das hipóteses investigadas real, e como as discussões rotineiras do casal e a relação com o filho poderiam ou não influenciar nas ações de ambos?

As respostas ficam incertas conforme o visual esmaga cada uma das crenças estabelecidas com novas informações e até perspectivas, sendo elas imaginárias ou reais. E o grande acerto da direção de Triet é saber transitar entre ambas, tomando nada seja definitivo à medida que tudo potencializa o suspense.

Isso fica evidente no quanto as cenas do casal e do tribunal se contrastam, a fotografia mais intimista nos espaços da casa, principalmente durante as conversas entre o casal, busca sempre detalhes em objetos e rostos, enquanto no tribunal há um uso frequente de planos mais abertos ou câmera no eixo fixo sempre destacando a pressão dos júris e corte sobre a Sandra. Até pequenos detalhes de figurino como o uso do vermelho destacando a aproximação maior entre a acusação e a juíza vão ganhando mais camadas conforme outros personagens trajam a mesma cor durante seus momentos finais.

Momentos esses que são cada vez mais emocionalmente devastadores conforme vemos Sandra Huller tentar quebrar a personagem através da exposição forçada da intimidade, o cuidado da atriz na gagueira ao falar francês ou na relutância ao abordar o filho são alguns dos momentos de brilho no trabalho da composição, assim como todo o cuidado no sorriso e a perceptível sensação de desconforto ao ter a sexualidade revelada ao público numa tentativa de desestabilização.

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Não longe da excelência da atriz, o elenco de apoio faz um trabalho parecido, mesmo que emocionalmente o oposto, seja a explosão emocional da criança vivida por Milo Machado Graner, ou a figura emocionalmente neutra do advogado retratado por Swann Arlaud, que toma um cuidado particular de ter duas personas muito distintas, a já citada e uma reconfortante que sempre busca o sorriso e o toque para criar nas cenas fora do tribunal.

No fim, “Anatomia de Uma Queda” é o encontro perfeito de dois subgêneros nos quais a tensão é um elemento chave. A junção de “As Duas Faces De Um Crime” com “Cenas de Um Casamento” seria difícil de imaginar funcionando no papel, mas que Justine Triet consegue dar vida através de um olhar muito meticuloso para tudo.