Assassinos da Lua das Flores – Crítica

Assassinos da Lua das Flores – Crítica

Em Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio surpreendem com o retrato de uma história verídica inusitada.

Martin Scorsese é um dos grandes diretores americanos das últimas décadas, e é um pouco triste que alguns o assemelham apenas a figura que disse que os filmes da Marvel não eram cinema. Haverá quem continue se apegando a isso para tentar atacar “Assassinos da Lua das Flores”, seu novo longa-metragem em que reúne com Leonardo DiCaprio, Robert De Niro e Lily Gladstone.

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Baseado em um livro de David Grann, Scorsese mudou o foco dele ao perceber que estava cometendo um erro ao focar nos agentes do FBI que investigavam o caso da nação indígena Osage, cujos membros, no início do século 20, se tornaram as pessoas mais ricas do mundo, e muitos deles desapareceram ou foram assassinados em circunstâncias misteriosas. Certamente isso também poderia servir de base para um grande filme, mas o caminho escolhido deu origem a uma obra extraordinária que quase falha apesar de durar mais de três horas.

Assassinos da Lua das Flores é um filme que nunca acaba sendo exatamente o que parece, daí a estrutura de poder por trás dos ataques que os Osage estão sofrendo quase faz pensar mais em um gangster de colarinho branco que sabe muito bem como fazer isso. Isso enriquece o filme, pois o roteiro assinado pelo próprio Scorsese junto com Eric Roth sabe transitar muito bem na linha que separa o quão bem traçados são os planos que existe na hora de executá-los.

Tudo isso dá ao filme uma dimensão fascinante na seção criminal, mas é o seu aspecto emocional que te engrandece e coloca uma série de contradições que elevam o filme a outro nível. E a coisa mais simples aqui teria sido enfatizar o quão bons os Osage eram e como todos os outros são desprezíveis. Claro que está aí, inclusive com uma cena em que o personagem de DiCaprio reclama porque querem cobrar dele o preço do Osage quando ele sabe muito bem que o custo é muito diferente dos demais.

O clima de injustiça é algo que se estabelece a níveis atualmente inconcebíveis, acrescentando assim um ar de desgraça que o filme aumenta ao focar na relação entre Ernest (DiCaprio) e Mollie (Lily Gladstone ). Todo o resto está ao serviço de uma história de amor que pode contrariar em certo sentido o que realmente aconteceu, mas é também o que dá a Assassinos da Lua das Flores uma energia especial.

DiCaprio entende muito bem quem é seu personagem e nos entrega uma atuação sensacional, e o mesmo pode ser dito de De Niro como Hale, é sempre divertido observar a cumplicidade da dupla em cena neste filme, mas o coração de todo o filme pertence a Gladstone. Ela entrega a melhor atuação de sua curta carreira de atriz ao interpretar Mollie como uma mulher honesta, reservada, inteligente, que comunica carinho e proximidade apenas com o olhar e a voz calma. 

Mollie guiada por aquela intuição feminina que desperta seu pânico moral quando sofre as perda de seus entes queridos, mas cuja lealdade ao marido mantém em estado de firmeza porque vê nele alguém inseguro e possivelmente nobre (ela se recusa a acreditar que ele foi capaz de traí-la até a revelação do clímax). Possui temperamento natural e uma força muito orgânica e a expressividade delicada provocam um sentimento de compaixão que, em diversas cenas, atinge as três dimensões e aumenta com maior força quando ela está morrendo na cama em decorrência de sintomas de envenenamento. De certa forma, ela é como uma heroína porque é ela quem toma a iniciativa de pedir ajuda ao presidente (entende-se como um estimulante para que assim enviem seus subordinados para investigar a onda de crimes).

Além disso, esse equilíbrio perfeito que “Assassinos da Lua das Flores” alcança também se reflete no trabalho de edição que aqui entende muito bem que não exige um ritmo tão frenético como os seus outros trabalhos. Talvez seja preciso entender isso como um filme lento, mas a verdade é que o timing é imbatível para que entendamos tanto as motivações dos personagens quanto as particularidades daquele mundo separado que era a comunidade Osage da época.

Sem ser tão brutais quanto outras obras de Scorsese, “Assassinos da Lua das Flores” as cenas de morte são enfáticas e costumam parecer algo inevitável, mas não menos doloroso. Aí as raízes da vida real são percebidas a todo momento, pois sentimos que temos diante de nossos olhos pessoas em vez de simples personagens de uma história inventada com mais ou menos talento.

Martin Scorsese, consegue aqui algo realmente envolvente com uma inusitada j, fica aqui a minha curiosidade por saber como seria uma versão da mesma obra seguindo a intenção de traduzir todo o livro de David Grann como um mistério policial. Mas, isso é outra história.

Assassino da Lua das Flores está disponível nos cinemas brasileiros.